Os primeiros seres cômicos, na origem
da mitologia, eram mulheres.” Afirma
Franca Rame que nos conta que a tragédia, em sua forma arcaica, foi criada por
mulheres, e num detalhe surpreendente, incluía na origem um elemento
cômico: “O rito eleusínio, forma primária do espetáculo trágico, nasceu
para celebrar um jogo bufo inventado por uma jovem, bastante espirituosa, com o
intuito de livrar Deméter do desespero. [...] Baubo – no rito eleusínio,
chamada de “a filha-da-terra” – despe-se e pinta no ventre dois grandes olhos,
um nariz e, pouco acima uma boca... [...] esconde o rosto e os seios com
raízes, simulando uma imensa cabeleira sobre o falso grande rosto. Balança as
ancas, estufa e retrai o ventre, improvisa uma dança de caráter obsceno e canta
versos picantes para a deusa. Deméter sorri... aliás, ri e diverte-se. A “filha-da-terra”
consegue livrar a mãe-terra da tristeza. É o início do retorno da alegria e da
vida na criação... no mundo dos homens.*
A presença feminina na palhaçaria é uma tradição recente, mas que
tem crescido com uma força extraordinária e renovadora desta arte. Na sociedade
moderna, quase sempre vimos a comicidade sendo veiculada pelo gênero masculino.
Histórias subterrâneas como esta, atestam que o papel da mulher como
provocadora de riso esteve e está além do que vemos. O que estaria pulsando hoje
em tantas mulheres atraídas pela arte da palhaçaria? A comicidade feita por
mulheres é diferente da comicidade masculina? Que especificidades estão presentes no humor feminino? Há um
humor tipicamente feminino e encarnado por mulheres?
O curso Palhaças, bem vindas sois vós -
Estudo Prático da Comicidade Feminina, em sua
segunda edição, é um espaço de encontro e troca, para refletir e
potencializar este fazer, estimular e aperfeiçoar descobertas, pois uma das
dificuldades no desenvolvimento desta atuação específica é a escassez de referências,
pela predominância do arquétipo do palhaço atrelado ao masculino.
A arte da palhaçaria alcança uma esfera
que transcende o nariz vermelho, figurino e maquiagem, e toca o centro da humanidade
de cada um. É esta humanidade exposta e
dilatada, leva ao riso, à comoção, à transformação, à revolução. Sendo
assim, tanto quanto são os diferentes seres que existem, é a diversidade de
estilos que marcam a amplitude deste fazer. Se a matéria prima do palhaço é sua
própria humanidade, essas
diferenças constituem potenciais para serem explorados e lapidados. São,
justamente, as particularidades de cada indivíduo que irão delinear o seu
fazer. A comicidade feita por mulheres deve ser refletida a partir desta esfera
essencial. A questão do sexo, mais que uma dificuldade, pode ser vista como um
desafio criativo para as mulheres que se questionam como lidar/explorar/expor o
corpo. Além dos temas universais que tocam a espécie humana, as palhaças
podem brincar com seus imaginários descobrindo sua comicidade, colocando seu
jeito de fazer, e construindo um saber específico que as conduzirão a uma
autonomia criativa.
O curso, ministrado pela artista Felícia de Castro, tem um caráter
vivencial e será desenvolvido a partir de três pilares que vêm sendo aprofundado
em sua pesquisa pessoal: sensibilização corpo-mente (semente do desejo: a flor
da pele e do querer), ativação do imaginário através do corpo/voz (processos de
encarnação), e geração de material criativo/criação de cenas (dança da união ou
princípio da fusão/tradução). O estudo abordará a comicidade feminina
e suas especificidades, a partir do estímulo de um caminho pessoal e
da independência criativa. É um espaço para aprofundar e
expandir o repertório de ações e reações, qualidades de energia, e a imaginação
de cada palhaça. Combinando elementos da técnica do palhaço, do teatro
físico, da pesquisa vocal, da dança Butoh e das brincadeiras, cantos e danças
brasileiras - campos de pesquisa da condutora do trabalho -, os encontros
enfocarão o aspecto Físico – Emocional, buscando a organicidade, a
dilatação da presença cênica e a fluência dos impulsos, e o aspecto
Criativo, envolvendo improvisação, geração de material, e composição.
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